Chocou-me muito os episódios sofridos pelo povo catarinense. E ainda está me chocando. Fatos novos, dramáticos, a cada dia. Creio que não só a mim, mas a todos os brasileiros. Corri fazer minha parte, arrecadei roupas, mantimentos, enchi duas vezes o bagageiro do carro e levei ao local destinado para fazer chegar ao destino certo.
Solidariedade? Desencargo de consciência? Não sei definir exatamente o que senti. Também nem tenho procurado explicações. Explica-se a dor? A morte? Não. Não se exprime com palavras a dor de milhares, somente o gosto amargo das lágrimas escorrendo pelo rosto. Talvez a explicação esteja no descaso das autoridades, do poder público. Mas diante da tragédia, melhor é não procurar culpados. Agora é hora de ajudar. Todos somos protagonistas e expectadores desta tragicomédia da vida humana.
Mas assistindo uma reportagem no dia de hoje, fiquei refletindo indignada. O repórter dizia, que se os moradores da cidadezinha não saíssem, seriam retirados à força pelos militares. Claro que para preservar a vida destes cidadãos ilhados. Compreendi perfeitamente, mas o apresentador disse ao repórter que se as pessoas insistissem, tinham mesmo é que serem tiradas à força. Fiquei chocada. Serem tiradas à força. Como se a força da água já não lhes tivesse tirado tudo. Tirado a vida, a casa, os móveis, os amigos, os parentes queridos que eles enterraram e os que a própria terra enterrou...
Claro que correm risco de novos soterramentos, mas a vontade de permanecer, talvez seja a única maneira de tentar guardar o pouco que restou. Como entender este apego mesmo com risco de morrer, senão pela vontade de preservar, de não deixar sucumbir o pouco que sobrou, se é que sobrou alguma coisa. Como se ficando naquele chão, a memória, a história, a família estivessem protegidas, como sementes de vida e não de morte. Lucidez ou insanidade? Quem se atreve a responder? Como explicar os mecanismos da mente humana em face à dor aterrorizante?
Tirar à força o homem de sua terra é o mesmo que arrancar as raízes mais profundas das convicções, das crenças... E isso a natureza já fez sem pedir licença, mas nós precisamos cuidar até das expressões que usamos em face da dor do outro. Preservar a vida é preciso, mas com cuidado, para não arrebentar ainda mais aqueles que já estão alquebrados com o sofrimento e o luto.
Não querer sair é o mesmo que dizer que não se conseguiu aceitar a realidade, especialmente tão abrupta da perda das raízes, da história. É dizer que se ficou sem chão, “sem lenço e sem documento”, sem nome, sem cidade, vivendo de caridade. Às vezes, a morte é mais digna.
Aí se entende a imagem de um senhor, colocando para secar, em um varal improvisado, todas as fotografias da família. Talvez tenha sido o que sobrou para mantê-lo vivo.
Maria Eugenia
29/11/2008
*direitos reservados à autora*
Um comentário:
Olá, Marô, anda sumida...
Bonito texto, também não sei explicar porque nas tragédias a compaixão aflora.
Acho que na verdade ela sempre está ali, mas nós a abafamos com idiotices como orgulho, preconceito, etc.
Espero ver o dia em que o cuidado com o outro surja espontaneamente, pelo simples fato de ser nosso irmão.
Abraço,
PAZ e LUZ
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