quarta-feira, 23 de julho de 2008

O travesseiro e o lenço



Nove horas da noite. Lá vem ele chegando. Entra em casa lentamente como se obedecesse a um ritual. Fecha a porta da rua. Agora passa a chave na fechadura que range emitindo um som rouco, talvez pelos muitos anos em que não fora preciso trancar. Com os novos tempos... Com as notícias que escuta, precaver-se é melhor... Pensa em passar óleo na fechadura pela manhã.
Caminha até à cozinha, acende a lâmpada que pende do teto num fio esgarçado, que de tão velha, projeta mais sombra e penumbra, do que claridade. Mas que importa? Ele conhece tão bem cada palmo daquele lugar... Sua história se mistura a cada objeto... Tudo tão familiar, que até no escuro, saberia encontrar o que necessita.
Começa a passar um café... Contempla a mesa antiga e as quatro cadeiras... Quem se sentará para trocar conversa, amenizar a solidão, bebericar o café?
Já faz tanto tempo que não se ouve barulho naquele lugar... Já faz tempo que ninguém se senta à mesa e ocupa as cadeiras e o coração solitário... Pensa um pouco naqueles que passaram por ali... Mas pensa tão rápido, lembrança de segundos, para não dar lugar a nenhum sentimento...
Apaga a luz e vagarosamente vai fechando as janelas... Usa o banheiro...
Entra em seu quarto. Não precisa de luz, pois a claridade de um poste da rua clareia o ambiente pelas frestas da janela... O pijama dobrado no mesmo lugar... O travesseiro de penas para repousar a cabeça.
Deita-se, puxa as cobertas... Faz uma oração. Coloca a mão embaixo do travesseiro e pega a fotografia, a única que sobrou com todos os que já moraram ali, nos tempos de alegria.
Pega também o lenço para enxugar uma fininha lágrima que ainda teima em escorrer... Suas únicas companhias...

Maria Eugenia
23/07/2008

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