segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Rendi-me




Há quanto tempo não escrevo. Talvez tenha brigado com a pena ou experimentado o longo inverno da hibernação, tempo de sonolência, de prostração, ausência de palavras...Ou talvez tenha simplesmente brigado comigo mesma e de mal de mim, neguei-me a escrever. Puni-me das idéias, dos símbolos, das palavras...


Desculpas mil eu arranjei para este vazio literário: falta de tempo, correria de final de ano, escola, compromissos com as correções de provas, notas, médias, enfim, nada me convenceu...Rendi-me ao fato: nada escrevi. Consciente ou inconscientemente , puni-me das letras.


Quase dois meses, mais de 60 dias sem experimentar a sensação de produzir algo, de dar a luz à uma crônica ou uma poesia. Claro, sem pretensão de ser uma cronista famosa, profissional ou até mesmo brilhante, mas uma contadora de fatos, de histórias do cotidiano. Furtei-me a descrever as sensações, pintar em letras todos os desenhos da realidade que meus olhos enxergavam. Puni-me das emoções, escondi-me de mim mesma.


Fiquei introspectiva, temerosa de tecer idéias, juntar palavras dando a elas uma forma, um sentido decifrado, traduzido , fazendo-as vivas e com significado, mesmo que fosse só para mim. Escritora sem platéia, de um só leitor, mas mesmo assim escritora que ousa fazer um filho, dando-lhe vida, um nome e existência. Puni-me da alegria de parir. Esqueci-me do ato sublime de gerar, mesmo que dentro de mim, nunca tenha morrido a canção de ninar.


Maria Eugenia

30/12/2008

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

COMEÇAR DE NOVO





Depoimento de um funcionário da Perdigão da cidade de Itajaí - SC, uma das mais afetadas pelas enchentes e desmoronamentos .


COMEÇAR DE NOVO

Eu tinha medo da escuridão
Até que as noites se fizeram longas e sem luz.
Eu não resistia ao frio facilmente
Até passar a noite molhado numa laje.
Eu tinha medo dos mortos
Até ter que dormir num cemitério.
Eu tinha rejeição por quem era de Buenos Aires
Até que me deram abrigo e alimento.
Eu tinha aversão a judeus
Até darem remédios aos meus filhos.
Eu adorava exibir a minha nova jaqueta
Até dar ela a um garoto com hipotermia.
Eu escolhia cuidadosamente a minha comida
Até que tive fome.
Eu desconfiava da pele escura
Até que um braço forte me tirou da água.
Eu achava que tinha visto muita coisa
Até ver meu povo perambulando sem rumo pelas ruas.
Eu não gostava do cachorro do meu vizinho
Até naquela noite eu o ouvir ganir até se afogar.
Eu não lembrava os idosos
Até participar dos resgates.
Eu não sabia cozinhar
Até ter na minha frente uma panela com arroz
e crianças com fome.
Eu achava que a minha casa era mais importante que as outras
Até ver todas cobertas pelas águas.
Eu tinha orgulho do meu nome e sobrenome
Até a gente se tornar todos seres anônimos.
Eu não ouvia rádio
Até ser ela que manteve a minha energia
Eu criticava a bagunça dos estudantes
Até que eles, às centenas, me estenderam suas mãos solidárias.
Eu tinha segurança absoluta
de como seriam meus próximos anos
Agora nem tanto.
Eu vivia numa comunidade com uma classe política
Mas agora espero que a correnteza tenha levado embora.
Eu não lembrava o nome de todos os estados
Agora guardo cada um no coração.
Eu não tinha boa memória
Talvez por isso eu não lembre de todo mundo,
Mas terei mesmo assim o que me resta de vida
para agradecer a todos.
Eu não te conhecia
Agora você é meu irmão.
Tínhamos um rio
Agora somos parte dele.
É de manhã, já saiu o sol e não faz tanto frio
Graças a Deus!
Vamos começar de novo. É hora de recomeçar,
e talvez seja hora de recomeçar, não só materialmente.
Talvez seja uma boa oportunidade de renascer, de se reinventar
e de crescer como ser humano.
Pelo menos é a minha hora, acredito.
Que Deus abençoe a todos.

Luis Fernando Gigena

*texto que recebi do profº Wilomar Sales*
18/12/2008

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

salmo 46,1




DEUS É O NOSSO REFÚGIO E FORTALEZA,

SOCORRO BEM PRESENTE NAS TRIBULAÇÕES.

( SALMO 46,1)


Maria Eugenia

10/12/2008

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Tragicomédia da vida humana



Chocou-me muito os episódios sofridos pelo povo catarinense. E ainda está me chocando. Fatos novos, dramáticos, a cada dia. Creio que não só a mim, mas a todos os brasileiros. Corri fazer minha parte, arrecadei roupas, mantimentos, enchi duas vezes o bagageiro do carro e levei ao local destinado para fazer chegar ao destino certo.
Solidariedade? Desencargo de consciência? Não sei definir exatamente o que senti. Também nem tenho procurado explicações. Explica-se a dor? A morte? Não. Não se exprime com palavras a dor de milhares, somente o gosto amargo das lágrimas escorrendo pelo rosto. Talvez a explicação esteja no descaso das autoridades, do poder público. Mas diante da tragédia, melhor é não procurar culpados. Agora é hora de ajudar. Todos somos protagonistas e expectadores desta tragicomédia da vida humana.
Mas assistindo uma reportagem no dia de hoje, fiquei refletindo indignada. O repórter dizia, que se os moradores da cidadezinha não saíssem, seriam retirados à força pelos militares. Claro que para preservar a vida destes cidadãos ilhados. Compreendi perfeitamente, mas o apresentador disse ao repórter que se as pessoas insistissem, tinham mesmo é que serem tiradas à força. Fiquei chocada. Serem tiradas à força. Como se a força da água já não lhes tivesse tirado tudo. Tirado a vida, a casa, os móveis, os amigos, os parentes queridos que eles enterraram e os que a própria terra enterrou...
Claro que correm risco de novos soterramentos, mas a vontade de permanecer, talvez seja a única maneira de tentar guardar o pouco que restou. Como entender este apego mesmo com risco de morrer, senão pela vontade de preservar, de não deixar sucumbir o pouco que sobrou, se é que sobrou alguma coisa. Como se ficando naquele chão, a memória, a história, a família estivessem protegidas, como sementes de vida e não de morte. Lucidez ou insanidade? Quem se atreve a responder? Como explicar os mecanismos da mente humana em face à dor aterrorizante?
Tirar à força o homem de sua terra é o mesmo que arrancar as raízes mais profundas das convicções, das crenças... E isso a natureza já fez sem pedir licença, mas nós precisamos cuidar até das expressões que usamos em face da dor do outro. Preservar a vida é preciso, mas com cuidado, para não arrebentar ainda mais aqueles que já estão alquebrados com o sofrimento e o luto.
Não querer sair é o mesmo que dizer que não se conseguiu aceitar a realidade, especialmente tão abrupta da perda das raízes, da história. É dizer que se ficou sem chão, “sem lenço e sem documento”, sem nome, sem cidade, vivendo de caridade. Às vezes, a morte é mais digna.
Aí se entende a imagem de um senhor, colocando para secar, em um varal improvisado, todas as fotografias da família. Talvez tenha sido o que sobrou para mantê-lo vivo.

Maria Eugenia
29/11/2008
*direitos reservados à autora*

sábado, 22 de novembro de 2008

Amigos são para sempre...










Amigos para sempre
assim diz a canção.
É bem verdade,
Amigos são para sempre...

Amigos se vão...
para sempre...
Amigos são amigos
para toda eternidade.

Adeus, dona Edma...

As lembranças,
os dias felizes,
a chácara,
as gargalhadas,
as vigílias de oração,
os familiares
ficam para sempre
guardam sua memória
em nossos corações.
Amigos para sempre...
Assim diz a canção.
Assim a vida se repete...
Amigos são para sempre!

Maria Eugenia
22/11/2008

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Na madrugada



Penso nesta alta madrugada
Que sentido faz a poesia
No meio desta vida tão emaranhada
Que parece um mundo de fantasia.

Como poetisar sem chorar?
Cantando amores e também as dores.
Como poetisar sem sorrir?
Traduzindo esperança e horrores.
Num contra-senso da estética.

Que sentido faz a poesia
Na pós modernidade que tem pressa?
Na correria do dia-a-dia
Nesta civilização do descartável?
Do renovável
Do reciclável
Do biodegradável?

Penso nesta alta madrugada.
Que sem a poesia, a brutalidade
O embrutecimento das emoções
O entupimento das artérias
A gangrena pela falha de circulação
Já teriam levado a óbito
os mais ricos sonhos da humanidade.

Desperta , penso nesta madrugada
Na sensibilidade que faz da pena
O adubo do amor
A seiva da fraternidade
O espaço da generosidade.


Maria Eugenia
14/11/2008

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Bem-me-quer



Seu corpo
Jaz em uma mala.
Que infortúnio!
Loucura?
Perversidade?

Eu...Perplexa

Aturdida com a forma brutal.
Começo novamente
a recitar as palavras
como na brincadeira:
Bem-me-quer
Mal-me-quer...
Bem
Mal
Mala
Amá-la
Eloá,
Raquel
Marias,
Amá-las
meninasbrasileiras
mala
Amá-la...
Não tem fim...
Maria Eugenia
07/11/2008

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Ao poeta a pena!






Da força da palavra
Fez-se a vida.
Haja!
Houve luz.
Houve treva.
Separe-se!
Houve separação
terra e água.
bem e mal.
Nasça!
Nasceu.
Cresça!
Cresceu e se multiplicou.
Jamais da palavra bem dita
Ouviu-se
Morra!

E como se morre a cada dia?
Morrem os sonhos
As esperanças
Também as crianças.
E num momento
de lucidez em dores de parto
Houve luz
Houve entendimento
da energia da vida.
E palavras benditas
ecoaram novamente.
Viva!
E a vida se fez...

Até quando?
Não importa...
Importa que poetas
Gritem, proclamem
palavras bem ditas
Benditas palavras
de libertação...

Ao poeta a pena!!!

Maria Eugenia
05/11/2008

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Densa Neblina



Densa Neblina

Assim escura

está minh'alma.


Densa, nebulosa

feito neblina

embotada, esbranquiçada.


Como garoa fina

que encolhe os ossos...


Maria Eugenia

27/10/2008

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Percepções




Dias desses sonhar permiti-me.
Ousei sentir as sensações
Que prazerosamente
Aliviaram a minha alma das tensões.


Andei pelas areias do parque.
De pés descalços, como a sentir
Os grãos compactos da areia
Grossa, após as chuvas da tarde.

Sentei-me à beira do lago.
E ali a observar fiquei, por longos minutos
Os movimentos sinuosos da água
A criar desenhos que no coração trago.

Deliciei-me com o silêncio mágico.
Entrecortado hora a hora, ao pôr-do-sol
Pelos sons difusos de pássaros e crianças
Tão ao longe como as cores do arco-íris.

Talvez tenha me permitido cochilar.
Sensação de ter vivido ou sonhado
Impressão profunda da mais pura verdade.
Difusa e vaga memória de quando?

Maria Eugenia
23/10/2008

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Nos bastidores




Num finalzinho de tarde, após uma reunião do Clube, a senhora Arrogância encontrou a senhora Simplicidade e começaram um diálogo, mais propriamente parecido com um monólogo. A senhora Arrogância perguntou à senhora Simplicidade:
- Viu como todos me aplaudiram? Minhas palavras provocaram um efeito maravilhoso!
-Sim, respondeu a senhora Simplicidade.
A senhora Arrogância continuou:
-Parece que por onde passo os aplausos acompanham-me. Minha lucidez é impressionante e as pessoas cercam-me para elogios e mais elogios.
-Sim, respondeu novamente a senhora Simplicidade.
A senhora Arrogância parecia delirante com as pessoas ao seu redor. Ela continuou:
-Minhas palavras são as mais eloqüentes, o meu discurso o mais fervoroso e minhas idéias claras e precisas. Aonde vou sou aplaudida. Sou uma pessoa muito requisitada.
-Sim, constatou a senhora Simplicidade... Eu também gostaria de...
Parou a frase no meio do caminho, pois a senhora Arrogância não prestava atenção. Falava mais para si mesma.
- Você viu como todos me presentearam com flores? E os sorrisos? Mas os aplausos são o que mais me fascinam.
-Sim, retrucou novamente a senhora Simplicidade.
E sem nem se despedir, a Senhora Arrogância saiu, sem deixar de perguntar se sua aparência estava perfeita, se o cabelo estava em ordem.
-Sim, respondeu a senhora Simplicidade, ficando com a impressão de que a senhora Arrogância não ouviria mesmo.
A senhora Simplicidade começou a arrumação do local. Ao limpar as mesas, deparou-se com todas as flores que a senhora Arrogância havia deixado de levar. Apanhou um vaso e foi colocando-as para que não murchassem. Quando olhou ao lado, viu a senhora Humildade que havia organizado todo o evento, tomando sozinha uma xícara de chá. Havia trabalhado arduamente, por muitas horas, para que tudo saísse a contento, e assim a senhora Arrogância, a convidada, pudesse brindar a todos com seus conhecimentos.
Então, tomando do vaso, com as flores que a senhora Arrogância havia deixado, presenteou a senhora Humildade por todo o serviço prestado e as duas num forte abraço sentiram que mais uma tarefa havia sido completada. Nos bastidores não houve aplausos.

Maria Eugenia
21/10/2008

“Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida”(Pr, 4,23)

sábado, 18 de outubro de 2008

Celebração da vida


Caminhando pela rua, olhos postos no chão, deparei-me com um gramado e nele algumas margaridas. De súbito, parei... Fiquei contemplando a beleza das pétalas brancas enfeitadas com o dourado do miolo central e o verde de suas folhas. Pensei: é primavera!Como não havia me dado conta de que o sol brilhava mais forte? E como também não me apercebi das flores renascendo nos jardins?E o canto dos pássaros logo pela manhã?Ah! Estava olhando tanto para dentro de mim... Olhando para minhas mazelas... Chorando as minhas dores... Expectadora da vida, não participante da alegria de viver.Só então percebi que meu inverno se arrastava no meu mundo interior, onde o céu ainda estava nublado e o frio enrijecia minh'alma. E eu possivelmente sem nenhuma força para sair deste estado, ou talvez, sem fazer nenhum esforço para romper este ciclo com pena de mim mesma...Mas estas margaridas, vivas, diante dos meus olhos... Como pude olhar sem enxergar? Viver sem vida? Não perceber a morbidez, a depressão, o medo, o cansaço mascarando a vontade, o desejo de libertação?Contemplando-as, ergui os olhos e me deixei inundar pelos raios do sol, que foram vencendo a frieza, fazendo o sangue pulsar intensamente em todo o meu corpo. E com a vida pulsando, ouvi o canto de um pássaro que parecia dizer-me: viva!viva!viva!De súbito, arranquei as vestes de inverno e me desnudei do desânimo, deixando que os primeiros raios de sol desta manhã me trouxessem vida e me fizessem ressurgir como mais uma margarida no jardim da primavera.
Maria Eugenia
17/10/2008

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

MÃOS



Senta o homem ao piano.

Vestido maviosamente

Fraque, gravata...

Cabelo impecável...

Olha ao redor.

Contempla com lágrimas

a sala vazia

o seu piano suntuoso...

Mas...Por que chora?

Chora a dor de ter me perdido

Chora a dor da mutilação

Porque sem mim

que fui suas mãos

Ele nunca mais vai tocar...


Maria Eugenia

15/10/2008

terça-feira, 14 de outubro de 2008

VIDA


Corro
para a liberdade...
Morro
sem a luz do sol!!!

Maria Eugenia
14/10/2008
*publicado no foto poesia*
*Café das letras

domingo, 12 de outubro de 2008

Poesia de uma vovó



Neste dia da Criança
quero escrever ao meu menino...
Para tanto
Gostaria de ter todo o talento do mundo.
Gostaria de conhecer todas as palavras.
Ter a habilidade de um escriba.
E a capacidade de um escultor.

Queria conhecer toda a harmonia dos sons.
Decifrar todos os dons...
Gostaria de ter os poderes dos super-heróis.
Que com um toque transformam o mundo.
Queria pintar e transformar as cores
Em um lindo arco-íris de uma nova aliança
De paz e esperança...

Mas, como não tenho essas capacidades
Entendi que tenho braços para abraçá-lo...
Beijos de batom para melecar sua bochecha...
Um almoço gostoso da casa da vovó...
Sorrisos e cócegas para alegrar a vida.
E um coração em prece para pedir a Deus
Proteção para todos os dias de sua vida.

E num rasgo de entendimento compreendi ainda
Que tenho voz para dizer:
CADU, a vovó o ama muito, muito...
Você encheu nossa casa de riso.
Tirou o luto e trouxe os raios do sol.
E com os raios de sol voltou a vida
Que se escancara nas suas estripulias...

Maria Eugenia
12/10/2008
*ao netinho Cadu, hoje com 6 anos e a todas as crianças de todas as idades*

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

SONHOS




Voar
nas asas da aurora.

Buscar o lugar
onde habitam
os sonhos.

E nos sonhos
encontrar abrigo,
amparo e proteção.

Para viver este amor
louco amor,
chamado impossível!!!

Maria Eugenia
10/10/2008

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

COUVE OU COVE? QUE DÚVIDA!


Um "causo" verídico, embora pareça piada!Mas o fato é que ocorreu em uma cidadezinha do interior.
O João das Couve candidatou-se a vereador...Sonho acalentado por muitos anos...O slogan “das Couve” originou-se de seu trabalho...Por muito tempo batia de porta em porta, cedinho, oferecendo pés-de-couve colhidos fresquinhos às freguesas da cidade...
Lá ia o homem e todos diziam: olha o João das Couve e assim ficou...Seu sobrenome verdadeiro sabe-se lá qual era...Figura muito conhecida na cidade, diziam que era até mais conhecido que o padre.As couves lhe rendiam sustento e uma popularidade notória.
Alguns amigos viviam comentando que ele era mais popular até que o prefeito... Fato público e notório...Mas o João das Couve, na sua simplicidade, rebatia: deixa pra lá, gente...Ele gostava mesmo era de vender suas couves fresquinhas e assim ia batendo papo e levando a vida...
Mas, como o João não era diferente de nenhum ser humano desta terra, tanto foram falando, falando, que um dia tomou coragem e achou bom se candidatar... Para prefeito não... Pensou ser muita arrogância... Mas vereador, claro que ficava bom... Os amigos, "aqueles", já haviam dito que era só mandar pintar o muro do cemitério nas vésperas de finados, solicitar a poda de algumas árvores na frente da casa das senhoras que compravam couves (claro suas eleitoras fiéis)... Comparecer aos batizados, ser padrinho de algumas crianças e o importante: não esquecer de estar presente em todos os funerais, melhor dizendo, enterros dos conhecidos e até desconhecidos... Afinal, em velório ele não pagaria ingresso para entrar nem para tomar um café e apertar a mão dos eleitores...
O sonho foi crescendo e crescendo... Havia um porém, João das Couve era analfabeto, mal sabia escrever seu nome de carreirinha...Dinheiro ele conhecia no ofício de vender couve todos os dias...Somava a venda dos pés,recebia o valor, fazia troco, coisa pouca...A maior parte das freguesas marcava para pagar depois...Os amigos, “aqueles”, diziam que não importava ser analfabeto, o importante era ter um assessor ou melhor, um bom “aceçor”...Ah! Isso sim: um bom entendido de política, para escrever os discursos com aquela fala bonita, que faz o povo até chorar...Quanto mais bonito, mais votos sempre...
E as couves? Continuaria no ofício de vendedor???Levantar de madrugadinha, ir até à horta, cortar os pés, embrulhar, colocar na carriola e sair pelas ruas, ter um dedo de prosa com as freguesas...Muita trabalheira, ocuparia muito tempo do vereador...
Mas isso seria para se pensar depois. Agora era garantir os eleitores e já pensar na escolha do “aceçor”, além, é claro de uma passadinha no alfaiate para encomendar um terno, branco, bem bonito para deixar pronto para o dia da posse... Pra não fazer feio ao lado do prefeito!!!Afinal, autoridade é autoridade, ou melhor: otoridade é otoridade ou será notoriedade? O João nem ficou com essa dúvida...Era analfabeto mesmo...Deixa isso para os eleitores!!!

Maria Eugenia
09/10/2008

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Verdes Campos



Verdes campos floridos em todo derredor
De açucenas e miosótis coloridos aos milhares.
Colcha verde salpicada de amarelo claro-escuro
Num magnífico contraste com o branco e o lilás
Devolviam aos trôpegos que ali passavam
A coragem e a força para continuar.

Viajantes cansados ali sempre paravam
Deslumbrados com a paisagem a perder de vista
Esqueciam a jornada de muitas léguas
Extasiados com as cores das flores
Que brilhavam à luz do sol
Em espetaculares desenhos ao sabor do vento.

A natureza pródiga para seus filhos
A cada ano reproduzia o espetáculo da floração.
A terra generosa deliciava-se em oferecer
Um gentil banquete colorido para os olhos cansados
E o vento como nobre regente de uma orquestra
Assoviava espalhando as sementes para o ato da fecundação.

Verdes campos outrora floridos
Que como leito se ofereciam ao cansado
Hoje secam e choram sobre a terra arenosa
Saudosos do tempo que eram o encanto dos viajantes
Pedindo à mãe natureza e à terra generosa
Que os deixem florir novamente em meio à devastação...

Maria Eugenia
07/10/2008

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Sabor Amargo



Um sabor amargo

de derrota.

Gosto de vinagre

misturado com fel...

Há um choro engasgado...

Haverá consolo???

Um dia

Talvez...


Maria Eugenia

06/10/2008

domingo, 5 de outubro de 2008

Silêncio



Hoje me silencio

Calo a voz dentro do peito

Espero muda, ansiosa

Uma resposta que traga esperança

Que mude o destino de muitos...


Maria Eugenia

05 de outubro de 2008

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

As três senhoras


Quisera envelhecer
Tão mansamente
Que possa ficar
conversando
no banco da praça
com as amigas
Contemplando
os que ainda irão envelhecer...

Maria Eugenia
03/10/2008

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Estação de trem




Velha estação de trem...
Era a vida da cidade.
A cada apito de chegada
Trazia junto a esperança
E uma porção de bagagem...

Senhoras e donzelas na janela
À espera do trem.
Que jamais atrasava
Trazia passageiros e os mascates,
Mas também revistas e novidades.
Crianças correndo pelos trocados
Das malas para carregar.
Homens de chapéu e gravata
Prontos para a capital embarcar.
Primeira classe, sim senhor!

A noiva despedindo-se em prantos.
O noivo com sorriso malicioso
As passagens em suas mãos suadas segurava.
Afinal o trem os levaria na segunda classe
Para a encantada lua-de-mel.

A família enlutada
Na plataforma esperava
Aquele parente que morto chegava,
Posto queria ser enterrado em sua cidade.
Reverência e silêncio no vagão de carga.

Risos, prantos, angústias e alegrias.
Tudo girava em torno da vida
Trazida pelo apito do trem
Chegando e partindo na outrora luxuosa estação.
Hoje museu,onde não mais se escuta o apito do trem!

Maria Eugenia
30/09/2008

sábado, 27 de setembro de 2008

Eternidade



Olham para mim
Eternidade
E me perguntam

Quanto tempo vou durar?

No entanto,
pergunto a mim mesma
que idade tenho???




Maria Eugenia
27/09/2008*
Do desafio do eu lírico*

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Quero te amar






Quero tanto te amar...


Entregar-me plena.
Sem reservas...
Sem falsos pudores
Que impedem os amores.

Quero te amar...
De modo completo.
Da forma mais arrojada
De tua visão extasiada
Que rompe os meus horizontes.

Quero te amar...
Entregar-me desejo
De corpo e alma...
Sem recusas ou reticências.
Completamente despojada
Nos véus que envolvem os amantes.

Quero te amar...
Amado de minh'alma...

Maria Eugenia
23/09/2008

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Bolas de Ilusão


Bolas de Ilusão
São bolas de sabão?

Brincadeira de criança.
Para mim são
Bolas de Ilusão
De uma infância de cores.
De cheiros.
De gente
De sabores
Bolas de sabão
tão
tão
tão gostosas...

Maria Eugenia
18/09/2008

sábado, 13 de setembro de 2008

Infinito




Infinito desejo de acertar...

Infinito inacessível.

Eu erro...Vejo o erro...

Infinito...Intangível...

Lógica...

Ilógica Infinita

Exercício infinito...

Ainda acerto

Meu lugar neste Infinito...
Maria Eugenia
13/09/2008

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Ode a um amigo




Um amigo mora em nosso peito.

Nos acostumamos com sua fala

Com sua presença

Com seus conselhos

E até com suas broncas.


Um amigo mora em nosso coração

Faz falta sua camaradagem

Sua abordagem

E sua ausência

provoca um vazio de solidão.


Um amigo mora na nossa lembrança

Mesmo ausente

Continua presente

Embora sua ausência provoque

Uma dor imensa como um punhal em nosso peito.


Ah!Amigo...Zé...


Maria Eugenia

11/09/2008

sábado, 6 de setembro de 2008

Uma gata borralheira moderna

Um casamento igual a qualquer outro. Pela manhã ela vai à padaria buscar o pão e o leite para servir ao marido e aos filhos que vão para a escola. Rápida, sempre faz o percurso dando bom dia aos vizinhos... Vizinhos de quase 20 anos... Puxa! Tanto tempo assim, pensou ela? Nem havia dado conta do tempo... Também sempre uma correria, sempre a mesma rotina...
Em casa, coloca a mesa para o café da manhã... O marido, de banho tomado, cheiroso, de terno, cabelo impecável, apressado, toma somente um cafezinho. Uma xícara de café para quebrar o jejum, depois na empresa, se der tempo almoça melhor... Despede-se dela perguntando se chegou o jornal.
Os filhos, na maior gritaria, tomam o leite e mastigam o pão, em pé, pois o ônibus escolar já buzina lá fora... Estão sempre atrasados. Dão um beijo apressado, lambuzado de manteiga e saem sem nem fechar a porta. Abanam a mão para o cachorro que sempre late fazendo festa até que eles cheguem ao portão. O ônibus parte e ela fica na janela olhando ao longe, acenando, acenando até que desapareçam na curva da avenida.
Sozinha, pensa em começar a faxina... Afinal os banheiros estão um horror e o cesto de roupa suja, atolado até à tampa... Liga a TV, pois trabalha assistindo os programas matinais... Sempre uma nova receita de culinária, receita para tirar manchas, um corte novo de cabelo...
Ela senta-se e começa a tomar seu café, afinal ainda não cuidou dela. Da mesa consegue ver seu rosto no espelho da sala de jantar. A imagem reflete um cabelo desalinhado, sem corte, amarrado... Pensa que não o tinge há mais de mês... Cadê tempo? E as tarefas da casa e o almoço? Sempre uma esposa e mãe exemplar... Uma esposa à antiga...
Pensativa, fica indecisa por onde começar... Faxinar ou lavar a roupa?
Um pensamento audacioso começa a insurgir em sua mente ocupada. As crianças já adolescentes vão ficar o dia todo na escola e sobrará bastante tempo para faxina. Portanto, a faxina primeiro. Mas e a roupa suja? Pensa no marido. Este também almoça quase sempre no restaurante da empresa. Liga quase todos os dias para dizer que tem um compromisso na hora do almoço e suas camisas estão passadas. Mas, o cachorro... Felizardo aceita qualquer tipo de ração...
Oras bolas, ela decide rápido. Pega o telefone, liga para o cabeleireiro, para a manicura e para o massagista... Todos estavam com a agenda livre. Que bom, afinal alguém tem que trabalhar. Além do mais, o marido deixou o carro com o tanque cheio...

Maria Eugenia
06/09/2008

*direitos reservados à autora*

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

A difícil arte de fazer ARTE


Devaneios em meio aos sonhos
Surge
A vida
Nua e crua.

Existência
Concreta
Real
Levando-nos
a adotar
uma filosofia
para viver
E até para morrer.

Filosofia...
Infância
Morte...
Vida...Viva!!!

E as poesias continuam
Dia-a- dia
Surgindo neste espaço
Como reflexões
filosóficas
estéticas
literárias
abstratas
líricas
Ou tão somente
desabafos...

Quem pode,
Consegue ou deseja
Definir a Arte?
Adjetivar o subjetivo?
Classificar o inclassificável?
Seria “aprontar” uma arte!

Neste espaço
o pensamento
cede aos argumentos
do coração...

Maria Eugenia
05/09/2008
*a todos os que escrevem neste espaço do Café*

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Livro



Sou...
Amado
Lido
Escrito
Procurado
Traduzido

Esgotado.
Sou...
Sedução
Sensação
Emoção
Provocação
Diversão
Educação.
Mas sou...
Picado
Estragado
Rabiscado
Abandonado
Adulterado
Recortado.

Sou...
Mas sou...
Ainda bem
que sou...
Assinado:O sr. Livro

Maria Eugenia(Desafio poético)

21/08/2008

domingo, 17 de agosto de 2008

Segredo

Segredo?
Amo.
Derramo.
Esparramo.
Minha alegria
De viver...

Segredo?
Agradeço.
Agradeço.
Agradeço.
Pela alegria
de viver...

Maria Eugenia
16/08/2008

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Essência



Absinto

Alabastro

Alecrim

Alfazema

Algas

Amêndoas

Babosa

Basilicão

Bergamota

Camomila

Canela

Cashmere

Cedro

Cipreste

Gerânio

Jaborandi

Jasmim

Maçã Verde

Mirra

Mas, espere!!!

Alto lá!!!

Não vou continuar...

Estou me desgastando

Evaporando...


Eis a questão:

Sou essência para perfume

em uma proposição tão filosófica???


Perfume, essência da alma?

Essência da existência

ou inexistência da alma???

Quem sou eu afinal???


Melhor continuar a lista...


Sou essência em crise de identidade

Ou melhor...

Em crise essencialmente existencial...


Maria Eugenia

15/08/2008

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Esperança



Esperança é meu nome.


Da mãe que deseja um bebê.

Da noiva que espera um noivo.

Do idoso de prolongar a vida.

Do jovem que sonha com o vestibular.

Do que espera por um transplante.

Da aposentadoria que não dá para sustentar.

Da jovem cheia de espinhas.

Do casal que sonha viajar.


Esperança é meu nome.


Da criança que um brinquedo deseja.

Do orçamento apertado.

Do sapato surrado.

Da modelo tornar-se artista.

Da medalha nas competições.

Do sucesso instantâneo.

Da festa da debutante.

Da orquestra nunca parar de tocar.


Esperança é meu nome.


Da ética na política.

Da vida dividida, repartida.

Dos sonhos dos anos dourados.

Da cura das enfermidades.

Da beleza da terceira idade.

Da educação e cidadania.

Do rosto emoldurado no retrato.

Da fé e da caridade.


Esperança é meu nome.

De tantos quantos quiserem

acrescentar e somar

quesitos nesta lista que não é finita.


Maria Eugenia

14/08/2008

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Pérola Preciosa



Aniversariar

É o contar

De cada dia

Cada ano

Crescendo na sabedoria

ExperimentandoNovos caminhos

Alimentando novos desejos

Abrindo-se às novas possibilidades

ousando

criando

recriando

agradecendo

louvando

Até mesmo chorando

Sabendo que cada dia

É uma nova chance

Uma nova oportunidade

De fazer a história

Chance de cultivar

A pérola mais preciosa

Dádiva divina

A Vida!


Maria Eugenia

10/08/2008


Ao completar meus 58 anos de vida...Agradeço tudo a Deus...

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Chuva Fria



Chove.

Chove uma chuva fria.

De finas gotículas

Mais parecendo uma densa névoa

Encobrindo toda a cidade...


Chove tambémdentro do coração da moça.

Uma chuva de gotas amargas,

Doloridas, um vazio angustiante.

Asfixiante sensação de estar só.


Chove na cidade e na alma...

Um barulho de água na janela.

A moça acordada, prostrada.

Ouvindo o som dos pingos que fazem

Uma serenata que não é mais para ela...


Chove...

O som da chuva fria.

Fazem-na lembrar dos dias de outrora.

Lembra-se das gotas encharcando os cabelos...

Lembra-se da chuva que caia batendo na janela

Lembra-se do tempo da serenata que era só dela...


Chove...

Chove uma chuva fria...

A moça decide levantar-se nesse dia.

Começar um tempo novo...

Abre a janela.

Contempla a chuva que respinga em seu rosto.

Sente o som da serenata da vida no seu coração.


Maria Eugenia

03/08/2008

sábado, 2 de agosto de 2008

Brilho de estrelas






O brilho dos seus olhos


É um facho de luz


Que me guia e orienta


Como estrelas no firmamento...




Ah! Meu amado...




Como os Magos foram guiados


Pelas estrelas até Belém


E o Menino foi achado


Assim também eu


Sou guiada pelo brilho


Das estrelas em seu olhar...




Ah! Meu amado...




Maria Eugenia


01/08/2008

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Uma história de vida




"Tudo, em suma, é sempre uma questão de Educação". (Cecília Meireles)
Vivemos numa era de revolução tecnológica. O mundo se tornou uma aldeia global. Tudo tão perto, tudo tão próximo, tudo tão acessível.

Fico a pensar nos rumos da educação. O educador sensato sente angústia nestes tempos onde vencer o conteúdo é meta a ser cumprida acima de tudo. Acima mesmo da educação da sensibilidade e das emoções. A racionalidade exige dominar conteúdos em curto espaço de tempo. Será a mais pura verdade?Para os que amam a Educação é um dilema crucial: coisas ou pessoas?

Lembro-me eu, professora recém formada nos idos anos 70 começando a conviver com a difícil tarefa de alfabetizar crianças de 7-8 anos. A alegria daqueles olhinhos a cada nova sílaba aprendida. A emoção da leitura e da escrita da primeira palavra. E o livro? Que dizer da festa da entrega do primeiro livro???Choravam eles... Choravam os pais... Chorava eu...

Nas férias ia para a casa de meus pais e à noite acompanhava minha mãe, uma querida professora do antigo curso Mobral, uma alfabetizadora de adultos...Eu alfabetizando crianças, mamãe ensinando adultos, na maioria trabalhadores rurais, de mãos calejadas do rude trabalho de um dia inteiro... Eu a acompanhava até uma sala de aula, que contava apenas com lousa e giz e o material que mamãe ficava horas providenciando em casa.

Ainda recordo-me da alegria deles também quando começavam a escrever as primeiras sílabas. E quando conseguiam escrever seus nomes??? Muitos choravam um choro gostoso da emoção de ter conseguido... Choravam eles... Chorava mamãe... Chorava eu e registrava na memória essas cenas que tempo algum pôde apagar.

Quantos recortavam páginas de velhas revistas e até anúncios de jornal para colar nos cadernos e ler naquelas noites, de luz tão escura para os olhos, mas tão iluminadas para a alma.Havia uma cumplicidade deliciosa entre mãe e filha... Duas educadoras que tinham em comum levar crianças e adultos para o mundo da leitura e da escrita.

Maria Eugenia

01/08/2008

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Minha poesia



Minha poesia não pretende ser pretensiosa.

Tampouco procura ser capciosa...

Ela é simplesmente o resultado

das sensações experimentadas

e em minh'alma guardadas.


Ela caminha por entre veios de emoção.

Alegria e tristeza se alternam,

em versos de loucura e paixão.

Muitas vezes são versos insípidos,

desatinados, entremeados de sonhos...


Entre a realidade e a imaginação

minha poesia passeia livremente.

E por ser livre em sua ação

o significado da incompreensão conhece.

Misturada às lágrimas de satisfação.


Minha poesia escrevo-a para mim...

Num ato de cura e prazer internos.

Vou povoando de versos o meu universo.

Da palavra de decifração enigmática ela nasce.

E cresce no meu mundo de sonhos e desejos...


Maria Eugenia

31/07/2008

quarta-feira, 23 de julho de 2008

O travesseiro e o lenço



Nove horas da noite. Lá vem ele chegando. Entra em casa lentamente como se obedecesse a um ritual. Fecha a porta da rua. Agora passa a chave na fechadura que range emitindo um som rouco, talvez pelos muitos anos em que não fora preciso trancar. Com os novos tempos... Com as notícias que escuta, precaver-se é melhor... Pensa em passar óleo na fechadura pela manhã.
Caminha até à cozinha, acende a lâmpada que pende do teto num fio esgarçado, que de tão velha, projeta mais sombra e penumbra, do que claridade. Mas que importa? Ele conhece tão bem cada palmo daquele lugar... Sua história se mistura a cada objeto... Tudo tão familiar, que até no escuro, saberia encontrar o que necessita.
Começa a passar um café... Contempla a mesa antiga e as quatro cadeiras... Quem se sentará para trocar conversa, amenizar a solidão, bebericar o café?
Já faz tanto tempo que não se ouve barulho naquele lugar... Já faz tempo que ninguém se senta à mesa e ocupa as cadeiras e o coração solitário... Pensa um pouco naqueles que passaram por ali... Mas pensa tão rápido, lembrança de segundos, para não dar lugar a nenhum sentimento...
Apaga a luz e vagarosamente vai fechando as janelas... Usa o banheiro...
Entra em seu quarto. Não precisa de luz, pois a claridade de um poste da rua clareia o ambiente pelas frestas da janela... O pijama dobrado no mesmo lugar... O travesseiro de penas para repousar a cabeça.
Deita-se, puxa as cobertas... Faz uma oração. Coloca a mão embaixo do travesseiro e pega a fotografia, a única que sobrou com todos os que já moraram ali, nos tempos de alegria.
Pega também o lenço para enxugar uma fininha lágrima que ainda teima em escorrer... Suas únicas companhias...

Maria Eugenia
23/07/2008

terça-feira, 22 de julho de 2008

Um tempo



Saudades...

Nem sei de que...

Notícias... Novas?

De morte.

De assassinato.

De infanticídio.

De roubo.


Saudades...

Tento entender de que...

Sentimento confuso.

Desejo de paz.

De amor.

De compaixão.

De amizade.

Saudades.

Preciso pensar em que...

Nas festas.

Nas bodas.

Na alegria.

Nas celebrações.

No riso dos convidados.

Saudades.

Entendo que...

Dos vizinhos.

Do bolo quentinho...

Da travessa sobre o muro.

Do cafezinho.

Do açúcar emprestado.


Saudades.

Entendo o porquê...

Cessou a festa.

Não chegam mais cartas.

Não se celebra mais a chegada.

Somente partida...

Mais uma despedida...


Até quando...

Preciso entender...

Até quando...

Não quero enlouquecer...

Até quando

Esperar contra toda esperança?...

Até enquanto a fé nos sustentar ...

Maria Eugenia

22/07/2008

sábado, 19 de julho de 2008

Cicatrizes




Lembrei-me das fotos.

Nosso álbum escondido há anos...

Enfrentei a dor de pegá-las.

Para não me entristecer mais.

Na inútil esperança de negá-las...


Negá-las como?

Apagá-las de que maneira?

Esperança sem fundamento.

Registradas elas foram

Nas fotos e no pensamento.


Se você não tivesse existido...

Se sua vida não estivesse estado

Tão entrelaçada na minha.

Poderia negar, abjurar que nunca existiu.

Um comprometimento, um juramento...


Mas as fotos...

As fotos revelam a verdade de um tempo.

Que mesmo apagadas, rasgadas

Ficam como sombras para sempre atormentando ...

São cicatrizes indeléveis em nossa história...


Maria Eugenia

20/07/2008

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Um lapso de memória




Um momento

Apenas

Tão somente

Um momento...


Um movimento

Apenas

Tão somente

Um movimento...


Uma saudade

Apenas

Tão somente

Uma saudade...


Um vazio

Apenas

Tão somente

Um vazio...


Um momento

De aguda saudade

Nenhum movimento.

Tão somente o vazio...


Maria Eugenia

14/07/2008


*Leninha que falta você faz ficando neste seu mundo*.

Aniversário da Marta

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Esperança



"Quero trazer à memória
Tudo que pode me dar esperança".(Lm 3)
Que ao início de cada manhã
A esperança levante meu semblante
Eu seja mergulhada na paz
Que me faz uma nova mulher.

Que a cada dia eu me lembre
que o sol nasce radiante.
Que a chuva rega a terra.
Que as flores lançam sementes
que os pássaros, em alegre canto,
espalham pela terra como grãos de vida.

Quero sim trazer à memória
A terna misericórdia divina.
Do trigo colhido e em pão transformado.
Da água que mata a sede do peregrino.
Dos abraços que abraçam e amparam.
Das mãos que tocam em afagos.

O desejo de sempre estar presente.
A cura da dor da ausência.
A certeza que invade a alma
E faz-me viver a despeito do medo.
Da graça da salvação alcançada
Do amor conquistado que me tornou nova mulher.

Maria Eugenia
13/07/2008